segunda-feira, 30 de abril de 2012

A CRÔNICA

a) Definição:

Para Coutinho, (1) os gêneros literários se diferenciam pela relação direta ou indireta entre autor e leitor. Possuem relação direta com o leitor, os autores que escrevem ensaios; crônicas; discursos; cartas; apólogos; máximas; diálogos; memórias. A relação indireta é estabelecida nos contos; novelas; epopéias; romances; gêneros narrativos, líricos e dramáticos.

Etimologicamente, a palavra crônica remete ao termo grego Kronos (tempo). Segundo o dicionário Morais, (2) a crônica é a história escrita conforme a ordem do tempo; de modo que os fatos narrados se referem diretamente a este. Da mesma forma, o Frei Domingos de Oliveira (3) compreende o tempo como o elemento organizador do gênero. Diferentemente da história, os fatos não são estudados para se estabelecer entre estes causas e conseqüências, mas simplesmente para narrá-los.

Arrigucci(4) introduz outro importante elemento nestas definições sobre a crônica: a memória. Na crônica, o tempo é o centro da narração dos fatos, mas estes não são narrados tal como aconteceram, mas tal como os recorda o cronista. Este é um “hábil artesão da experiência” e, ao transformar fatos em matéria narrada, resignifica os acontecimentos de acordo com as impressões que obteve destes.

b) Um gênero menor?

Mesmo para os próprios cronistas, a crônica é tida como um gênero menor em relação aos outros gêneros literários. Em Escrever para jornal e escrever livro, publicado em 29 de julho de 1972, Clarice afirma:

(...)num jornal nunca se pode esquecer o leitor, ao passo que no livro fala-se com maior liberdade, sem compromisso imediato com ninguém. Ou mesmo sem compromisso nenhum (...) não há dúvida de que eu valorizo muito mais o que escrevo em livros do que o que eu escrevo para jornais.

Para Antonio Dimas, (5) um dos motivos indiscutíveis para este descaso é a feição financeiramente utilitária do gênero que proporciona aos escritores a possibilidade de um salário fixo e de uma vida financeira estável que não seria possível com os livros. Paulo Mendes Campos, por exemplo, se justifica: Precisava ganhar dinheiro. Só de poesia, só de literatura, não se vive. (6) O fato é que o autor se sente degradado ao ser obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, ao mesmo tempo em que necessita deste dinheiro como forma de sustentar suas atividades na “Grande Literatura”.

Clarice Lispector, citada por Dimas, afirma: Talvez nem escrevesse em jornal se não tivesse necessidade. A autora faz uma queixa semelhante a esta na crônica Anonimato, publicada em 10 de fevereiro de 1968: Aliás, eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro.

O cronista sente a necessidade de se justificar pela dedicação a esta necessidade degradante da sobrevivência financeira. Em Ser Cronista de 22 de junho deste mesmo ano, Clarice cita o conselho que recebeu de um amigo, que tenta justificar a venda do trabalho do escritor: Todos seus leitores hão de entender que sua crônica semanal é um modo honesto de ganhar dinheiro.

Outra causa para o descaso com o gênero é a efemeridade do veículo em que as crônicas se inserem. Jorge de Sá (7) afirma: O jornal nasce envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume esta transitoriedade. O fato de que a crônica é destinada a ser lida e esquecida, faz com que os críticos não atribuem ao gênero o status literário do romance ou do conto.

Não apenas o veículo como os assuntos a serem abordados na crônica devem ser efêmeros e esta efemeridade é considerada muitas vezes como característica de uma literatura tida como frívola e superficial. A crônica é entendida como um descanso para o leitor diante das outras notícias do jornal. Desprovida do rigor jornalístico das reportagens e do rigor literário dos romances, a crônica é desmerecida, portanto, tanto em relação à Literatura quanto ao Jornalismo, tornando-se, nas palavras de Machado de Assis, “uma fusão admirável entre o útil e o fútil”.

Há uma delimitação clara dos temas sobre os quais um cronista pode – e deve- escrever: comentários sobre as notícias em evidência no jornal em que a crônica se insere ou sobre fatos cotidianos que não mereceram a atenção dos jornalistas e do público leitor. A atividade do cronista é narrar estes fatos segundo o seu ponto de vista, sem se deter especificamente em nenhum, dando a estes uma leveza característica do gênero. Machado de Assis ironiza esta condição:

O folhetinista, na sociedade ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal: solta, esvoaça; brinca; tremula; paira; espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até mesmo a política (8).

A escolha pelo tom menor do bate-papo entre amigos e por assuntos menos relevantes em relação aos outros textos do jornal e aos romances dos cronistas, determina que a crônica se coloque em um território de difícil definição, como será discutido a seguir. Para Antonio Candido, (9) esta é sua maior vantagem em relação aos outros textos jornalísticos ou literários. Para o autor, ao se tornar mais acessível aos leitores, a crônica é capaz de comunicar mais sobre a condição humana e sobre a vida do que os estudos intencionais.

Da mesma forma, para Arrigucci, a crônica ao tratar dos pequenos acontecimentos diários, ao contrário de introduzir em um status literário inferior aos romances e contos, é capaz de atingir a mais alta poesia. Esta despretensão, para Antonio Candido, humaniza o texto permitindo “como compensação sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade”. Assim, retirado o status literário e a seriedade jornalística e resignificando os fatos, a crônica se aproxima do leitor sem que para isto seja preciso diminuir a seriedade dos problemas abordados.

Para Dimas, esta aproximação entre leitores e autores permite o “desnudamento do autor perante o público” e, a partir deste desnudamento, seria possível delimitar as matrizes ideológicas do autor, de forma diferente do que seria feito pela observação das outras produções literárias deste. Há uma marca de pessoalidade que caracteriza o gênero, como se o autor se aproximasse do público, aproximando também, desta forma, o leitor das notícias publicadas no jornal. Leitor e autor tornam-se amigos íntimos e comentam com despretensão os assuntos em pauta não pela importância nacional destes, mas pela forma particular e pessoal com que estes temas os tocaram.

Por Thais Torres de Souza

Referência

Em http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/c00012.htm#_ftn6

1. Coutinho, Afrânio: Ensaio e crônica; in: A literatura no Brasil. Rio de Janeiro; José Olympio Editora, 1986.

2. Apud Coutinho, op. cit.

3. Idem.

4. Arrigucci, Davi Jr: Fragmentos sobre crônica, in: Enigma e comentário: ensaios sobre Literatura e experiência. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

5. Dimas, Antonio: Ambigüidade da crônica: literatura ou jornalismo? In: Littera, nº 12, ano IV – set. dez. 1974.

6. Apud Dimas, op. cit.

7. Sá, Jorge de: A crônica. São Paulo: Editora Ática, Série Princípios, 1985.

8. Assis, Machado de: A semana. São Paulo, Editora Hucitec, 1996.

9. Candido, Antonio: A vida ao rés-do-chão, in: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, Editora da Unicamp, 1992

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Katty Rasga